A utilização de instrumentos inseridos pela uretra com a finalidade de esvaziamento da bexiga, é provavelmente um dos procedimentos invasivos mais antigos, que remontam a 3.000 antes de Cristo. Os antigos egípcios costumavam utilizar cateteres de bronze, mas gradualmente introduziram os de ouro e até os tubos ocos de madeira.
O cateterismo vesical intermitente consiste na retirada da urina por meio de uma sonda, diversas vezes por dia, e é um procedimento conhecido e corriqueiro nos hospitais, facilmente realizado por técnicos de enfermagem adequadamente treinados. Apesar de corriqueiro, com alguma frequência vemos os pacientes, familiares e até mesmo pessoal da área de saúde angustiados com a aparente invariabilidade desse método e muitas vezes nos questionam sobre a necessidade e efetividade deste tratamento.
O cateterismo vesical é um procedimento clínico amplamente praticado e de grande valor para o diagnóstico e tratamento de vários processos patológicos. Tem como principais indicações a drenagem vesical por obstrução crônica, disfunção vesical (bexiga neurogênica), drenagem vesical após cirurgias urológicas e pélvicas, medida de diurese em pacientes graves, controle da higienização perineal e conforto de pacientes incontinentes de urina e comatosos . Durante muito tempo acreditou-se que a melhor forma de tratar pacientes com bexiga neurogênica ou pacientes que apresentavam incontinência urinária, seria a utilização de cateteres urinários de demora. Sabemos hoje que o cateterismo vesical intermitente beneficia uma série de pacientes com bexiga neurogênica, e é considerado como a melhor solução para o esvaziamento da bexiga nos pacientes com disfunção vesicoesfincteriana que apresentam grande capacidade funcional da bexiga e alta resistência uretral. Este método está indicado para eliminar a urina residual, ajudar a prevenir a infecção urinária, evitar a incontinência urinária e mesmo as lesões do trato urinário superior, além de diminuir a incidência de formação de cálculos vesicais e mimetizar o processo normal de micção. O cateterismo vesical constitui um meio importante de transporte da flora bacteriana uretral, para o interior da bexiga, sendo seu tempo de permanência um fator crucial para a colonização e infecção (bacteriana e fúngica) da via urinária. Sabe-se que o crescimento bacteriano inicia-se após a instalação do cateter, numa proporção de 5-10% ao dia, e estará presente em todos os pacientes ao final de quatro semanas. Portanto, tendo em vista a redução dos índices de infecção do trato urinário nestes pacientes, imediatamente depois de cessados os motivos que indicaram o uso do dispositivo, a sonda deverá obrigatoriamente ser retirada.
O cateterismo vesical intermitente deve ser realizado de 4 a 6 vezes ao dia, na dependência do volume de urina produzido pelo paciente, com uma simples sonda de plástico, em regime de antissepsia hospitalar. Após a adequada lubrificação da sonda e da uretra com Lidocaína gel, passa-se a sonda no paciente, drena-se toda a urina da bexiga e imediatamente retira-se a sonda descartando-a.
Cateterismo Vesical Intermitente
É de suma importância esclarecer alguns tópicos para os pacientes e seus familiares:
• A sondagem intermitente causa muito menos infecção urinária do que a sonda de demora.
• A passagem da sonda plástica várias vezes ao dia não machuca o paciente. Ainda que haja algum sangramento na passagem da sonda, o traumatismo é mínimo. A uretra (especialmente a masculina) apresenta finos vasos sanguíneos muito superficiais, que podem sangrar durante o cateterismo, mas isso não traz sequela para o paciente, mesmo que submetido a diversos cateterismos por dia, durante semanas.
• O cateterismo intermitente facilita a retomada da micção espontânea porque devolve a atividade de enchimento e esvaziamento à bexiga. Sem essa atividade cíclica os reflexos miccionais desaparecem e o paciente não consegue coordenar a micção. É exatamente esse o motivo pelo qual um paciente que permaneceu sondado (com sonda de demora) por vários dias não consegue urinar quando se lhe retira a sonda.
• Não se deve deixar o paciente ficar com a bexiga muito cheia (em torno de 400 ml). Quando isso acontece o músculo que existe na parede da bexiga (chamado Detrusor), responsável pela contração da bexiga ao urinar, perde o seu tônus e isso atrasa o processo de retomada da micção espontânea do paciente. É exatamente esse o motivo pelo qual insistimos tanto com os profissionais de enfermagem que, conceitualmente, o cateterismo intermitente não é um cateterismo “de alívio” e sim um cateterismo com periodicidade calculada para esvaziar a bexiga do paciente antes que ele entre na condição de “globo vesical”, como chamamos a condição em que a bexiga está cheia em demasia.
• A retomada da micção espontânea muitas vezes se faz aos poucos. Em alguns pacientes esse é um processo rápido, principalmente quando o paciente já consegue sair do leito e caminhar. Para os pacientes acamados e pacientes com diminuição do nível de consciência, no entanto, pode ser um processo longo e demandar o cateterismo intermitente por vários dias, às vezes semanas.
• Uma vez que inicie a retomada da micção espontânea o cateterismo intermitente deve ser realizado após o paciente urinar espontaneamente para retirar o resíduo de urina pós-miccional, que vai progressivamente se tornando menor, até que o paciente não necessite mais do auxílio da sonda.
Cateterismo vesical intermitente limpo:
Historicamente, o cateterismo intermitente remete a década de quarenta (1947), quando o neurocirurgião Ludwing Guttmann coordenador de um centro de reabilitação no Reino Unido, instituiu pela primeira vez esse procedimento com a finalidade de esvaziar de forma periódica a bexiga dos pacientes com lesão medular proveniente da segunda guerra mundial. No início a recomendação era a técnica estéril, que envolvia o uso de materiais e luvas estéreis, no entanto, o método se mostrou complexo e oneroso, com indicação limitada fora do ambiente hospitalar.
Alguns anos mais tarde, na década setenta, o urologista Jack Lapides propôs a técnica de cateterismo intermitente limpo que consiste em lavagem das mãos e órgão genital com água e sabão antes de executar o procedimento, enfatizou que a estase da urina e as elevadas pressões intravesical eram mais importantes do que o próprio fator bacteriano no desenvolvimento das infecções urinárias e ainda, que a frequência do cateterismo intermitente limpo nas 24 horas tornava-se mais relevante do que a técnica estéril. Geralmente, quem faz uso dessa técnica são pessoas com alguma disfunção urinária, diminuindo a principal complicação do não esvaziamento completo da bexiga que é a infecção urinária e a mais grave é a deterioração renal.
Essas ações para o desenvolvimento efetivo e eficaz do procedimento necessitam de um treinamento de quem o executará, ou seja, é necessário que se oriente, ensine e promova o desenvolvimento de capacidades que habilitarão o cuidador ou paciente a executar o cateterismo vesical intermitente limpo.
Chamamos de auto cateterismo intermitente quando o próprio paciente ou cuidador faz esse procedimento nele mesmo. O cateter ou sonda uretral deve ser utilizado apenas uma vez, sendo descartado logo após o uso. Lembrando que o cateterismo é realizado de quatro a seis vezes no dia.
A importância do auto cateterismo se dá pelo retorno da autoconfiança do paciente em ter controle sobre seu próprio corpo e pela independência reconquistada ao não precisar da ajuda de outras pessoas para um procedimento tão íntimo.
Atualmente dispomos de sondas com revestimento hidrofílico, que facilitam muito o cateterismo, diminuindo infecções, traumas e melhora a qualidade de vida dos pacientes, atualmente a sondas com revestimentos hidrofílico são mais caras.
A principal vantagem do uso da sondas com revestimento hidrofílico (Speedicath, da empresa Coloplast), são mais rígidos e já vêm lubrificados por dentro e por fora, o que facilita muito a inserção na uretra e causa menos risco de traumas e sangramento na urina, além de diminuir contaminações e desenvolver uma infecção urinária.
De uso único, esses cateteres vêm se aperfeiçoando continuamente. Na realização do cateterismo vesical intermitente, a escolha pelo tipo de cateter deve contar com requisitos como segurança, funcionalidade, eficiência, conforto do usuário e a situação sócio-econômica mediante o custo-benefício do material (Hidrofílico com elastômero). Muitos usuários, principal- mente no Brasil, reutilizam materiais que deveriam ser tido como descartáveis, o que impacta diretamente na qualidade do cuidado.
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